Portugal é, no campo da Música, uma jóia escondida. No entanto, os portugueses esquecem-se disso.
As referências à música que eram feitas antes da fundação de Portugal, em 1143, são bastante escassas, existindo apenas meros textos literários que nos dão informações vagas e imprecisas. A fundação da nacionalidade portuguesa, em 1143, e a sua consolidação e alargamento territorial ao longo de cem anos, veio conferir novas características à música, que se foi tornando progressivamente mais rica sendo valorizada com elementos heterógenos, nos quais predominam os de origem gaulesa.
A influência de Gália em Portugal manifestou-se a partir da própria dinastia real, proveniente de Borgonha, pela presença de numerosos trovadores provençais, possivelmente pela actividade de alguns troveiros, pela fixação de colonos francos, participantes nas cruzadas à Terra Santa ou à Península Ibérica, as cruzadas do Oriente e do Ocidente, pela acção de importantes ordens ou congregações religiosas, de origem gaulesa e dirigidas por gauleses (sobretudo os beneditinos de Cluny e de Cister), e pela existência de bispos naturais da França nalgumas das mais importantes dioceses portuguesas.
De um modo geral, podemos dizer que o período anterior à data da organização do Condado Portucalense pode ser designado, sob o aspecto musical por período hispânico, também conhecido por período visigótico ou moçárabe.
É raro encontrar-se documentos musicais referentes ao periodo da primeira dinastia. Apesar de tudo, há a certeza formal de que a música ocupou entre nós um lugar de relevo.
Hoje em dia é-nos possível concluir que a nossa música neste período teve influência oriental— hebreus e gregos, egípcios e fenícios, celtas e romanos, visigóticos e árabes. Apesar da grande dificuldade em definir qual deles teve mais influência, concluímos que a Árabe foi a que deixou mais vestígios na nossa música.
Atendendo à sua antiguidade, a escola Bracarense passa por ser a mais notável de Portugal. A música exerceu preponderante influência em todos os conventos e mosteiros, embora nalguns mais do que em outros. Na parte sul do território manifestou-se a actuação das ordens militares, que dedicavam à música menos interesse do que as conventuais do norte.
Não deixemos de ter em conta que os cistercienses eram mais austeros do que os cluniacenses. E deve atender-se também a que a notação escrita era ainda pouco exacta e até pouco frequente; o ensino musical era quase sempre feito por treino prático, fazia-se música de ouvido, e isso contribuiu para que hoje não disponhamos de vasta documentação escrita. É ainda referido que, no território de Portugal, se usou desde cedo a pauta musical de quatro linhas (tetragrama) e de cinco linhas (pentagrama), com a característica de na linha encarnada designativa da nota fá utilizarem o desenho de um losango para indicarem a variação de meio-tom. Essa variante é conhecida por sistema português, também denominada por vezes notação portuguesa, prova suficiente do interesse que a música merecia e tendo sido utilizado um pouco por toda a Europa.
Aceita-se que um dos mais raros e valiosos documentos musicais daquele período seja um hino a Santa Luzia. Há referência, ainda, a um cerimonial mais ou menos do mesmo período, que é um códice precioso, contendo muitos cantos sacros, notados com pontos ou com neumas, cuja altura era regulada por uma linha vermelha, correspondente à nota fá; reporta-se ainda a dois fragmentos de missas notados em neumas, encontrados entre o acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa.
As autoridades eclesiásticas esforçavam-se para que o canto litúrgico se fosse aprefeiçoando, libertando-se de todas as imperfeições adquiridas ao longo do tempo.
Na época em que se manifestou o canto profano, o acompanhamento era feito quase sempre pelo alaúde ou pela cítara. Na parte norte da Península Ibérica, fez-se sentir a influência dos cantares vulgarizados pelos cruzados que se radicaram nestas paragens, e que evoluíram para as serranilhas.
Todavia, outros instrumentos eram usados, sendo os segréis aqueles que mais uso faziam dos mesmos, em três grupos distintos, de acordo com o tipo de instrumento utilizado: — jograis de pénula, instrumentos de corda, jograis de boca, instrumentos de sopro, e jograis de atambores, instrumentos de percussão.
As cantigas trovadorescas eram sem dúvida musicadas. Não se sabe ao certo se então estava generalizado o sistema declamatório, é mais comum a ideia de que boa parte das composições se destinassem a ser cantadas, frizando o valor da música em como forma de comunicação.
Podemos afirmar que os cantores sacros eram quase sempre clérigos e representavam a respectiva classe; os trovadores e troveiros, quando existiam, eram os representantes qualificados da nobreza; os segréis ou jograis, assim como os menestréis, marcavam a presença e a existência do povo. A música do tempo era fortemente influenciada pelos cantos litúrgicos; algumas vezes até a letra era em latim.
Durante o período provençal ou trovadoresco, os jograis exerceram notável influência. Eles tinham a função de apresentar as canções elaboradas pelos trovadores; para isso eram contratados ou recrutados, auferindo vantagens materiais, de acordo com a estrutura económica e social em vigor naquelas remotas idades.
Devemos ter presente que o rei D. Afonso III, antes de começar a governar, viveu durante bastantes anos em Bolonha, onde casou, e se fazia acompanhar de um séquito de nobres e serviçais muito numeroso. Quando regressou a Portugal, trouxe consigo o gosto europeu, a influência trovadoresca. Tornou-se saliente o papel estimulante dos retornados de Bolonha e dos que, sendo naturais da França, os acompanharam a Portugal.
A arte musical viveu também uma fase de grande interesse e era cultivada pelos elementos mais destacados da sociedade. O canto saiu dos templos e tomou conta das festas da nobreza e dos divertimentos populares. Celebravam-se com música adequada episódios fúnebres e acontecimentos jubilosos. O prolongado contacto entre culturas diferentes também contribuiu para a divulgação e aperfeiçoamento da arte musical, adoptando novos modelos de instrumentos e aperfeiçoando os tradicionais e fazendo com que a música cultivada em Portugal fosse espalhada um pouco por toda a parte, elevando o nome de Portugal.
Até as expedições bélicas, como as então recentes cruzadas do Oriente e do Ocidente, exerceram grande influência, pois não deixava de ser uma forma de contacto. Não deixemos de atender a que certas manifestações musicais nos são apresentadas, com bastante frequência, como música do tempo das cruzadas ou mais singelamente como música medieval, quase sempre anunciada pela vulgarizada expressão "medieval carols".
Pode-se então dizer, em modo de conclusão, que naquele que é tido como Período Medieval Musical, tal como outros acontecimentos, contribuiu para a divulgação do nome de Portugal por toda a parte tendo sido esta influência marcante ao ponto de danças portuguesas, como a chacone e a folia, terem vindo, posteriormente, no Período Barroco, originar as danças exploradas por J. S. Bach, Ciaconne e Folia.